Atraídos por aplicativos de namoro, gays são alvos de ataques e assassinatos pelo país
26/08/2024
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública registrou 214 assassinatos motivados por homofobia e transfobia no ano passado Era 12 de junho, Dia dos Namorados. Leo Nunes, de 24 anos, havia passado alguns dias conversando com alguém que conheceu no Hornet, um popular aplicativo de namoro gay, antes de marcar o primeiro encontro no bairro do Sacomã, em São Paulo. Uma câmera de segurança capturou o momento em que dois homens em uma moto apareceram no local onde ele estava esperando, pegaram seu telefone e o mataram a tiros. Era 12 de junho, Dia dos Namorados. Leo Nunes, de 24 anos, havia passado alguns dias conversando com alguém que conheceu no Hornet, um popular aplicativo de namoro gay, antes de marcar o primeiro encontro no bairro do Sacomã, em São Paulo. Uma câmera de segurança capturou o momento em que dois homens em uma moto apareceram no local onde ele estava esperando, pegaram seu telefone e o mataram a tiros. A família Nunes, que compartilhou detalhes da investigação com a Reuters, disse que um suspeito foi preso. A polícia de São Paulo informou que está investigando o ataque como latrocínio, mas não forneceu mais informações ou confirmou se houve prisão. Nunes foi um dos pelo menos cinco homens gays mortos desde março de 2024 após planejar encontros por meio de aplicativos de namoro no Brasil, de acordo com reportagens. Outras dezenas de vítimas descreveram nas redes sociais que sofreram assaltos à mão armada depois de serem atraídas por perfis falsos em aplicativos de namoro gay. A polícia também tem alertado sobre “golpes do amor” envolvendo homens heterossexuais atraídos para sequestros, sem fornecer números. A série de assassinatos e agressões abalou a comunidade gay no Brasil, que é grande e vibrante, mas muitas vezes desconfiada da polícia. Essa relutância a torna um alvo para os criminosos, de acordo com três pessoas que disseram ter sido atacadas, bem como defensores da causa LGBTQIA+. “Por conta da homofobia estrutural, eles sabem que a pessoa LGBT é uma parcela da população que é vulnerável. Então eles sabem que eles vão conseguir intimidar melhor”, disse Wanderley Montanholi, advogado da família de Heleno Veggi Dumba, um médico gay que foi encontrado morto em abril em São Paulo após ser baleado na cabeça. Montanholi afirmou que Dumba foi morto por criminosos em uma tentativa de assalto, depois que eles o atraíram para uma emboscada por meio de um aplicativo de namoro. A polícia de São Paulo disse que prendeu três suspeitos da morte de Dumba que permanecem sob custódia policial aguardando julgamento. Eles se recusaram a dar mais detalhes. Montanholi disse que os crimes repetiram um padrão no qual os criminosos visam homens gays por meio de aplicativos de namoro e os preparam por dias com perfis falsos em diferentes plataformas de mídia social. A polícia se recusou a comentar se havia identificado um padrão mais amplo de assassinatos e roubos ligados a aplicativos de namoro gay, dizendo apenas que os investigadores em São Paulo haviam esclarecido quatro casos envolvendo “golpes do amor” em geral. Gabriel, um homem gay que se recusou a dar seu sobrenome, alegando privacidade, contou no final de março que tinha marcado um encontro na mesma rua no Sacomã onde Nunes foi morto a tiros. Ele foi atraído pelo mesmo perfil de namoro de várias outras vítimas, como ele soube mais tarde. “Ele encostou a arma em mim na barriga e falou para eu falar a senha do celular”, disse Gabriel. Com isso, os criminosos acessaram suas contas bancárias, roubaram o dinheiro e estouraram o limite de seu cartão de crédito. Gabriel afirmou que um grupo de mulheres que lhe ofereceu conforto depois do ocorrido havia testemunhado um episódio quase idêntico na noite anterior. Ele detalhou o assalto em um boletim de ocorrência e em um bate-papo em grupo, ambos vistos pela Reuters, com outros seis homens que disseram ter relatado às autoridades policiais que sofreram o mesmo golpe violento. A polícia se recusou a comentar sobre os casos. Gabriel disse que ele e outros também haviam sinalizado seus incidentes envolvendo o mesmo perfil falso para o Hornet. Ele disse que o perfil falso permaneceu online por semanas depois que ele fez a denúncia, o que a Reuters não pôde verificar de forma independente. “Uma investigação poderia ter acontecido antes do caso do Leo. Não precisava ter chegado aqui”, disse Gabriel. Gerry Monaghan, chefe de operações do Hornet, afirmou que “todas as denúncias são analisadas e revisadas pelo Hornet”. Após o assassinato de Nunes em junho, ele disse que a empresa acrescentou pessoal a uma equipe que trabalha 24 horas por dia respondendo a denúncias de usuários e mudou seu sistema global de denúncias para priorizar problemas mais sérios, sem entrar em detalhes. Uma porta-voz do Grindr, outro aplicativo de namoro gay, informou que a empresa está “ciente de que, no Brasil, plataformas digitais como a nossa são ocasionalmente usadas de forma abusiva para atingir pessoas LGBTQ+”. Ele acrescentou que o aplicativo inclui conselhos e recursos de segurança, e que a empresa colabora estreitamente com as autoridades policiais. MEDO E VERGONHA Como muitos jovens LGBTQIA+ brasileiros, Nunes havia deixado sua pequena cidade natal, Cambuquira, em Minas Gerais, para a metrópole mais liberal São Paulo, a quatro horas de distância. Ele planejava se tornar um psicoterapeuta e ajudar pessoas que lutavam contra a falta de moradia e o vício, lembrou sua mãe, Adriana Rodrigues. Ela se sentia confortável com a “família LGBT” que o acolheu na cidade grande. Embora São Paulo tenha uma cena gay animada e a maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, amigos de Nunes disseram que eles conversavam sobre frequentes problemas com homofobia e transfobia. “Todos nós tínhamos alguma história”, disse um amigo, Vinicius Reis, que se lembrava de Nunes apoiando membros vulneráveis da comunidade LGBTQIA+, incluindo alguns forçados a deixar suas casas. Nunes se assumiu com o apoio dos pais, que consideraram sua morte um crime de ódio. “Os criminosos sabem que suas vítimas não irão à polícia”, disse seu pai, Aurélio Nunes, segurando a mão de sua esposa em uma entrevista emocionada. “Às vezes, elas nem contam para a família por causa da vergonha.” O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um grupo da sociedade civil que acompanha as questões de segurança pública, registrou 214 assassinatos motivados por homofobia e transfobia no ano passado, um aumento de 42% em relação a 2022, ao mesmo tempo em que sinaliza que esses crimes provavelmente são subnotificados. O Supremo Tribunal Federal codificou a homofobia como crime em 2019, mas três advogados disseram em entrevistas que a polícia e os juízes muitas vezes evitam usar o rótulo, preferindo categorias mais amplas, como agressão ou roubo. Vanessa Vieira, defensora pública que atende a comunidade LGBTQIA+ no Estado de São Paulo, disse que tem visto “uma resistência do Ministério Público, das polícias, do Judiciário, do institucional como todo, de caracterizar essas situações como LGBTfobia”. Esse ceticismo tem contribuído para a relutância das vítimas LGBTQIA+ em denunciar os crimes, acrescentou Vanessa Vieira. “Então a gente percebe que muitas vezes há um receio das pessoas denunciarem mais por medo de represálias, por medo de como que isso vai parar nas suas vidas”, disse ela. |